novembro 19, 2004



vestígios

noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavam
os líquenes das imundas máscaras

hoje
nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se

onde se pode - num vocábulo reduzido e
obesessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir

apesar de tudo
continuamos a repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial

in horto de incêndio, al berto

1 maniacs:

maniac Anonymous Anónimo said...

O Al Berto é um dos maiores ícones da literatura/cultura portuguesa. Interpretou, como poucos, o que Heiner Müller apelidou, em tempos, de Anjo do Desespero.
Da pena de Al Berto saíram alguns dos mais perfeitos retratos do quotidiano civilizacional. Uma lúcida representação dos espaços aliada a um exímio domínio das palavras. E assim... acontece o peculiar nascimento da sua poesia. Faz muita falta no presente.

Bruno

1:00 da tarde  

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