abril 01, 2005

de viagem ao passado...

numa breve viagem ao meu passado, que demorou umas tantas horas... em caixas de recordações, que mais se assemelham a baús antigos onde se afogam lembranças, fui eu encontrar recordações de tempos que passei em solidão voluntária, daquela que faz amadurecer. folhetos, de tempos sentada numa mesa de bar... a ouvir palavas... dos outros, não minhas, embora as sentisse como tal. decorria o ano 2000. eram os serões de palavras que nos ficam da usura dos dias. não sei o que retirei de tanta coisa que ouvi. o certo é que as palavas me tocavam, e eu gostava e deliciava-me de estar ali, sozinha... sempre as mesmas caras a assistir, só as palavras mudavam... era como que um encontro. com as pessoas que ali estavam (o que sentiriam elas...?) e com tudo o que ouvíamos em conjunto.
de umas vezes havia apenas palavras, outras palavras e sons... outras ainda em que havia cheiros. relembro agora maria toscano (professora de profissão e escritora de coração...) . foi dos momentos que mais me marcou. houve a distribuição de folhetos com... palavras... e de incenso. porque a escrita não afecta apenas a visão (e por consequência o coração...), mas também os restantes sentidos. ali viu-se, ouviu-se, sentiu-se o sabor de um copo que sempre nos acompanhava, apelou-se ao olfato, com o cheiro do incenso que tornou o ambiente mais calmo e cerimonial, e... sentiu-se a pele arrepiar, pelo ambiente que maria toscano conseguiu criar... por falar nisso, tenho de procurar o livro que comprei nessa sessão - "a utupia da coragem" - para o reler...
conheci ainda manuel cintra. nascido em lisboa, no ano de 1956. é poeta, actor, encenador e cenógrafo. a sua passagem por estas sessões de poesia, foi também marcante. manuel cintra encenou, fez a selecção musical, cenografia e interpretou (utilizando assim todas as suas habilidades). palavras de ruy belo e carlos drummond de andrade, foram ditas e cantadas. em português de portugal e do brasil. um verdadeiro senhor. troquei umas palavas com ele (pessoa simples) . no fim escreveu-me umas palavas amigas no folheto. durante uns tempos vou tentar reproduzir aqui, pequenas partes de um texto por ele escrito, de uma edição de autor (de 1990), que tem por nome Tangerina.



(...) Chamo-me Manuel Cintra, sou poeta, e amo o que ambos escreveram [Ruy Belo e Drummond]. o Carlos faz-me rir, o Ruy sempre me fez chorar. O Ruy que na infância me fez ser peixe [ambos do signo Peixes], é a metade do que na idade adulta o Carlos me entrega: a hipótese de ser pássaro, e de rir com ternura pela humanidade.
Decidi pois fazer este espectáculo. (...) Direi Drummond de Andrade em Brasileiro, Ruy Belo em Português. E cantarei pelo meio, porque a poesia, quando é mesmo poesia, canta sempre.

O problema da habitação, é que eu não sei nunca onde moro. O poder ultrajovem, é que eu, por mais que tente, não consigo envelhecer. E agora? Será que vale a pena tentar que dois poetas se abracem? Penso que não. O caso é que ambos se abraçaram faz muito, na minha infância, na nossa, no fundo do coração.

O Problema da habitação, Manuel Cintra, Junho 2000